A publicação de hoje é o texto/crônica "Sorria, você está comendo" publicado por Márcio Alemão, em sua coluna Refogado, na versão impressa da revista Carta Capital. Não propositalmente, complementa a publicação "Gastronomia: muito além da cozinha", na qual observamos que nossas relações com a comida e com a alimentação ultrapassam certas ideologias, muitas vezes impostas, muitas vezes naturalizadas. Além do humor, que encontramos na descrição do restaurante parisiense que mais parecia uma apresentação de acrobatas, também é possível se perder numa reflexão que, a princípio, parace fútil, mas pode transformar um macarrão instantâneo em um banquete ou um banquete em uma tristeza sem fim - reflita sobre isso.
Refogado
Sorria, você está comendo
Os eventos à mesa não podem se resumir ao que colocamos na
boca. Quanta alegria você consegue pôr em uma refeição? Por Márcio Alemão
por Márcio Alemão — publicado 16/08/2013 09:45, última
modificação 16/08/2013 10:04
Por conta da data, a dos pais, fui me lembrar de um
aniversário de meu falecido old man (é boa essa expressão, né?), no qual a
esbórnia e a anarquia tomaram conta da situação.Black Blocs da gastronomia em família, não deixamos prato
sobre prato, mas construímos uma história que não foi esquecida por nenhum dos
participantes, ainda que o Mídia Ninja não tenha documentado a ocorrência.
E vejam só: lá vou eu de novo citar o tal jantar no restaurante
parisiense Pierre Gagnaire, no qual 11 pratos nos foram servidos. A cada prato
uma coreografia construída por um sofrível aspirante a Busby Berkeley desfilava
pela sala. O áudio da cena ficava por conta do maïtre, uma quase caricatura de
bigodes longos e torcidos nas pontas que nos descrevia os 35 ingredientes
incluídos naquela colherada a ocupar o centro do prato.
Hoje, juntando os dois eventos, pergunto-me se a
aborrecidíssima noite no grande restaurante não teria sido divertida se a minha
família tivesse tomado as rédeas. O assunto é sério e merece reflexão. Disse um amigo: “O restaurante hoje é a nossa boate”. No
caso do francês, a coisa ficou muito mais próxima de um velório bem servido.
Com uma imensa diferença: nesse velório não estava o Pagano Sobrinho, um velho
humorista, um stand-up que na época atendia por outro nome e que era impagável
na crônica ácida do dia a dia.
Se não pudermos rir, se não pudermos chamar o cozinheiro e,
com um sorriso, dizer “esse aqui não rolou e você tem apenas mais duas horas
para se redimir”, tudo fica chato. O evento comer não pode jamais se resumir ao
que colocamos na boca. No dia em que meu pai fez um monte de anos e oferecemos
o tal almoço, a comida fez parte da alegria. Até os vinhos de diferentes uvas
se uniram em um único copo. Enfim, não posso dizer mais por conta da grande
foto que deverá ocupar lugar de honra na página. Sugestão: pense no assunto.
Quanta alegria você consegue colocar na sua refeição?